O esporte já é considerado a nova corrida. O movimento de homens e mulheres rumo ao mar, paramentados com toucas de silicone e óculos especiais, é um retorno às origens da natação, que começou em águas abertas.
Depois de uma madrugada chuvosa, às 7h15m de sábado, a Praia de Copacabana está semideserta. No Posto 6, enquanto um pelotão de bombeiros se prepara para iniciar os trabalhos e meia dúzia de pescadores volta do mar, um grupo de pessoas ainda com a cara amarrotada da véspera chega apressado à areia. Elas estacionam a bicicleta, improvisam o café da manhã com goladas de suco de laranja, se lambuzam de vaselina para entrar em roupas de borracha justérrimas. Às 8h em ponto, ouve-se o estampido de um morteiro: é o sinal para homens e mulheres entrarem na água. Todos são atletas amadores, integrantes do cada vez mais populoso time de adeptos da natação no mar, ou em águas abertas, modalidade que coleciona novos fãs na cidade.
Diante do boom, cada um na sua pista, o esporte já é considerado a nova corrida. O movimento de homens e mulheres rumo ao mar, paramentados com toucas de silicone e óculos especiais, é um retorno às origens da natação, que começou em águas abertas — reza a lenda que o índio Arariboia atravessava a Baía de Guanabara a nado. O reconhecimento da maratona aquática como modalidade olímpica, em 2005, contribuiu definitivamente para as travessias virarem febre entre cariocas. Hoje, são cerca de cinco mil praticantes — há dez anos, o número não chegava à metade, segundo a Federação Aquática do Estado do Rio de Janeiro.
— Nenhum esporte vira modalidade olímpica por acaso. A natação em águas abertas está sendo cada vez mais praticada no mundo inteiro. Nada mais natural, portanto, que vire moda no Rio, uma cidade cercada pelo mar — avalia o nadador Luiz Lima, pentacampeão na Travessia dos Fortes. — É uma mobilização parecida com a que aconteceu com a corrida há alguns anos. A diferença é que a natação é mais democrática, agrega do gordinho ao ironman.
Ex-atleta das piscinas, que defendeu o Brasil nas Olimpíadas de Atlanta e Sidney, Luiz Lima foi um dos primeiros a organizar grupos de nado no mar, há três anos, quando montou uma tenda no Posto 6 e começou a dar aula do alto de uma prancha de stand up paddle. Hoje, são 60 alunos particulares, que pagam R$ 300 mensais, e 150 integrantes de um projeto social gratuito. Há menos de seis meses, saltou para cinco o número de assessorias esportivas que montaram bases no pedaço — a maioria é especializada em triatlo, mas, diante da demanda, abriram turmas de natação.
O cantinho da Praia de Copacabana é o maior reduto da prática. Mas também é possível observar trânsito intenso de nadadores no Leme, no Arpoador, em Ipanema, no Leblon e na Urca. Seja onde for, o horário de pico é das 6h às 9h.
Na manhã de uma quarta-feira, a economista Fernanda Masson, de 41 anos, nadou mil metros e saiu de Copacabana antes de os barraqueiros espalharem cadeiras e guarda-sóis pela areia. Há menos de um mês, ela começou a nadar com o pessoal da equipe Tribus.
— É um desafio, você nunca sabe se vai encontrar um golfinho ou uma garrafa PET. Quando você sai da água, se sente revigorada — diz Fernanda, contando que demora 15 minutos para vestir a colada roupa de borracha.
— Pelo menos a gente fica com um corpão, o macacão segura tudo — completa a empresária Danielle Joory, de 42 anos, outra iniciante.
O alto rendimento da natação no mar — que numa hora consome uma média de 750 calorias, contra 400/600 da piscina — atraiu as amigas Fernanda e Danielle após o fechamento da Estação do Corpo.
— Não sabia nadar. Só mergulhava no rasinho. Para aprender a técnica, estou tendo aula na piscina do Flamengo. Meu sonho é realizar uma Travessia dos Fortes — conta a empresária.
O desejo é compartilhado por gente à beça. Neste domingo, a travessia, de 3,8km e considerada a São Silvestre dos mares, vai reunir 2.500 nadadores em Copacabana. No primeiro dia de inscrições, a procura foi tamanha que o site caiu. No segundo, as vagas foram preenchidas em 20 minutos. E olha que, pela primeira vez, foi cobrada taxa de inscrição, de R$ 50. Outro termômetro da popularidade (e da rentabilidade?) do esporte: agora, a competição é promovida pela IMX, joint-venture entre a IMG e a EBX, do empresário Eike Batista.
— As maratonas aquáticas viraram um filão — acredita o farmacêutico aposentado Sebastião Rodrigues, que depois que entrou na casa dos 60 anos virou “fominha” de travessias; hoje é sua terceira. — Na minha faixa etária, é mais fácil ganhar medalha. Em águas abertas, dá para revezar o peito com crawl e até mandar um cachorrinho que ninguém vê.
Outro novo entusiasta do esporte, o músico Tony Bellotto não vai estar no mar hoje por conta da agenda de shows dos Titãs. Mesmo assim, foi ao simulado do grupo Fox, no último sábado, e nadou do Posto 6 ao Leme:
— Falo para o Branco Mello e para o Paulo Miklos,,mas eles nem acreditam que eu nado isso tudo. O fato é que não dá para chegar aos 51 anos no mesmo esquema dos 20. Quando tenho show antes do treino, fico só na água mineral.
Tony, que treina duas vezes por semana, começou a fazer travessias ano passado, incentivado por uma amiga, a francesa Catherine Verne, de 61 anos, nadadora dos mares há 20.
— Quando comecei, natação no mar era coisa de gringo. Só esbarrava com outros franceses — lembra.
Tony, Catherine e a turma da Fox partiram juntos em direção ao Leme. Uma hora depois, chegaram esbaforidos ao Posto 1. Depois de tomar dois copos de Gatorade, o guitarrista pediu um celular emprestado para avisar à mulher, Malu Mader, que sobrevivera à travessia:
— A correnteza ajudou — disse ele, humilde.
Quando era garoto lá na Penha, Helio de la Peña tinha horror ao mar. Na adolescência, passava as tardes no Posto 9 fritando na areia. Descobriu a natação em águas abertas quando virou cinquentão, há dois anos, em Copacabana. E virou fã. Quando tem gravação no Projac, ele tira a hora de almoço para nadar com um professor particular na Prainha.
— Já consegui umas 20 medalhas em maratonas aquáticas, mas só numa cheguei ao pódio — conta ele, que, como todos os mortais, passa perrengue no início das provas. — A largada é tensa, o couro come e ninguém vê. Uma vez, um nervosinho chegou a me dar uma porrada. Era um mauricinho, acostumado a nadar em raia de piscina.
Nem atletas de ponta saem ilesos. Única aposta brasileira na modalidade em Londres, Poliana Okimoto teve o tímpano perfurado na largada de uma travessia na Itália, em 2006. Mesmo “avariada”, ficou em segundo.
— Morria de medo de mar, de onda, de encontrar um tubarão — lembra a atleta paulista, de 28 anos, que treina seis dias por semana no Parque Aquático Maria Lenk e um na Praia de Copacabana, palco da maratona em 2016. — A maior questão é nadar no mar gelado, já que os profissionais não podem usar roupas de borracha. Às vezes, ainda saio com o corpo queimado por águas-vivas.
Já quem nada por diversão pode e deve recorrer aos tecidos sintéticos. Basta ter cacife. Semana passada, o economista Alexandre Rodrigues, de 39 anos, testou um modelo da neozelandesa Blueseventy, de US$ 400. A média de temperatura da água do mar de Copacabana gira em torno dos 20 graus, mas às vezes cai para 15 graus. E os homens, com menos gordura no corpo, costumam sentir mais frio que as mulheres. O macacão ainda ajuda a flutuar.
— A roupa já vem com motor de popa — brinca Alexandre. — Não quero ganhar de ninguém. Só de mim mesmo. No ano passado, fiz a Travessia dos Fortes em 55 minutos. Esse ano quero fazer em 52.
Superação pessoal também é a meta da advogada Juliana Gueiros, de 35 anos.
— Comecei a fazer natação quando engravidei e, quando meu filho completou seis meses, inventei de fazer a Travessia dos Bravos, das Cagarras à Praia de Ipanema. Quando pulei no mar, entrei em pânico. A partir de então, vencer o desafio virou questão de honra — relata Juliana.
Nos mares cariocas, há também a turma que nada em marcha mais lenta, meditando. É o caso da escritora e psicóloga Maria Tereza Maldonado, de 63 anos, que dá suas braçadas em Copacabana há 40 anos.
— Gostava de nadar de olhos fechados, mas nos últimos meses ficou perigoso: é muita gente — conta, enquanto sai do mar de mãos dadas com o músico Itiberê Zwarg, de 62 anos.
Semana passada, o maior desafio encontrado pelos desbravadores do mar foi a quantidade de lixo na água. Nadador da “turma do eu sozinho”, o ator Freddy Ribeiro, de 55 anos, sai do mar do Leblon com a sunga carregada de sacos plásticos.
— Faço a minha parte e cato tudo o que vejo pela frente — ele explica. — Adoro água gelada, mas outro dia passei tanto frio que saí da água roxo. Os bombeiros tiveram que dar tapinhas nas minhas costas.
Nadar sozinho, como se vê, é perigoso. Especialistas explicam que é importante estar acompanhado de pelo menos mais um nadador, que pode prestar socorro no caso de alguém ter cãibra ou hipotermia.
— Geralmente, quem nada no mar procura conhecer as correntes. Quem dá mais trabalho aos bombeiros são os aventureiros que querem dar uma de maratonista por um dia e acabam caindo numa vala, as correntes de retorno — diz o salva-vidas Rodrigo Evangelista.
Nutricionistas recomendam que atletas levem um sachê de mel na sunga ou no maiô, para repor as energias. No mais, é preciso estar atento e forte, diz a ex-nadadora Christiane Fanzeres, supervisora de Maratonas Aquáticas da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos:
— Uma vez dada a largada, o nadador vira um peixinho no meio do cardume. O mar não tem meio-fio para uma paradinha.